Por Andrea Zuchini Ramos, do MFT Advogados
Recente decisão monocrática do Ministro Gurgel de Faria, no âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, reacendeu discussão que parecia, senão sacramentada, ao menos adormecida. Trata-se da negativa de seguimento aos Embargos de Divergência n° 1.795.347/RJ, nos quais foi apontado dissenso entre a 1ª e a 2ª Turmas daquela Corte no que se refere à possibilidade de se apreciar, em sede de Embargos à Execução Fiscal, a compensação (e regular extinção) dos débitos executados como matéria de defesa.
A divergência decorre da interpretação conferida não só ao §3° do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais – LEF, que não admitiria a alegação de compensação nos Embargos, mas principalmente quanto ao alcance do entendimento firmado pela 1ª Seção do STJ sobre o referido dispositivo, quando do julgamento do REsp nº 1.008.343/SP, ocorrido em dezembro de 2009, sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Na ocasião, ficou decidido que a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento da Execução Fiscal, pode figurar como fundamento de defesa dos Embargos. Isso desde que, à época em que realizada, tenham sido atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário e da existência de lei específica autorizando a compensação.
Parcela substancial dos órgãos julgadores (à qual nos alinhamos) entende que o alcance a ser aplicado ao referido precedente seja no sentido de restringir o óbice do art. 16, §3° da LEF exclusivamente aos casos em que a compensação seja arguida de forma inaugural nos Embargos, na tentativa de submeter diretamente ao crivo do Judiciário a existência de créditos contra a Fazenda Pública que devam ser levados ao encontro de contas contra o débito em execução.
Existe, entretanto, corrente jurisprudencial defendendo a interpretação restritiva do julgado, segundo a qual a compensação só poderá ser arguida como matéria de defesa nos Embargos quando tenha sido não apenas formalizada previamente, como também homologada pelo Fisco, pressupondo a certificação da existência de créditos líquidos e certos para tanto.
Esse foi justamente o dissenso apontado nos referidos Embargos de Divergência, que tiveram o seguimento negado sob a justificativa de que ambas as Turmas do STJ teriam alinhado o seu entendimento no mesmo sentido do acórdão embargado – qual seja, pela interpretação restritiva do que foi decidido sob a sistemática dos recursos repetitivos, vedando-se a alegação de compensação em Embargos quando esta tenha sido indeferida administrativamente.
A discussão não está encerrada, já que pendentes de julgamento naqueles autos Embargos de Declaração do contribuinte pelos quais é reforçada a existência de interpretações diametralmente opostas perante o STJ e os Tribunais locais sobre o alcance do repetitivo nº 1.008.343/SP. Os Declaratórios propõem, ainda, seja o tema enfrentado pela 1ª Seção, a fim de que se uniformize a interpretação da Corte quanto ao alcance do art. 16, §3° da LEF. Contudo, o precedente em questão desperta preocupação quando considerado o volume relevante de contencioso judicial tributário fiscal decorrente de Declarações de Compensação não homologadas.
A prevalecer a vertente restritiva acima ilustrada, a compensação como matéria de defesa em Embargos teria espaço limitado às remotas hipóteses de indevida inscrição em dívida de débito cuja compensação tenha sido regularmente homologada pela Receita.
Contudo, não nos parece razoável a posição recém-defendida nos Embargos de Divergência em questão. Necessário analisar a restrição imposta no art. 16, §3° da LEF de acordo com o contexto de sua edição, quando sequer vigiam os efeitos da Lei n° 8.383/91, diploma inaugural da compensação tributária em âmbito federal. Nesse sentido, o que tal dispositivo pretendeu combater foi a alegação de compensação futura, ratio adotada no recurso repetitivo mencionado, que analisou justamente tal alteração no quadro normativo sobre o tema compensação.
A corroborar a admissibilidade, em Embargos, da alegação de extinção do débito pela compensação indeferida na esfera administrativa estão, entre outros argumentos: a previsão, expressa na própria LEF, de presunção relativa de certeza e liquidez da CDA, a ser ilidida pelo sujeito passivo; a expressiva doutrina quanto à natureza jurídica de ação autônoma desconstitutiva do título executivo atribuída aos Embargos à Execução; e a disposição expressa não só da lei especial, como do CPC (aplicado subsidiariamente às Execuções Fiscais), facultando a alegação em Embargos de toda a matéria útil à defesa do executado.
Espera-se que a controvérsia seja objeto de atento debate entre os Ministros do STJ, haja vista a clara dissidência de interpretação sobre a posição já firmada pela 1ª Seção, bem como a relevância assumida pelo tema ante o impacto nos processos judiciais já em curso.