Guilherme Almeida de Oliveira, do MFT Advogados.
Foi publicada nesta terça-feira (20) a Solução de Consulta nº 116/2021, na qual a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal do Brasil analisou a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre royalties pagos por pessoa jurídica a título de contraprestação em contratos de franquia.
No caso concreto, a consulta foi formulada por empresa do ramo de restaurantes, que explora uma franquia, remunerando o franqueador pela cessão da marca, know-how, modelo de negócio, fórmulas e receitas, por meio dos referidos royalties.
A consulente expôs que apura o PIS e a Cofins pelo regime não cumulativo e, nesse sentido, indagou se poderia considerar os royalties como créditos, na modalidade de insumos, nos termos do inciso II, do art. 3º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.
Respondendo a tal indagação, a Cosit analisou o dispositivo legal em questão, entendendo que somente poderiam gerar créditos os dispêndios com aquisição de bens e serviços. Nesse sentido, na linha de manifestações anteriores da RFB (Solução de Consulta Cosit nº 71/2015), entendeu-se que os royalties não poderiam ser classificados como remuneração de serviços, o que, por sua vez, impossibilitaria a tomada de crédito sobre tais dispêndios.
O racional da Cosit foi o de que, nos royalties, “não se visualiza a presença da obrigação de fazer (que caracteriza a prestação de serviços)”. Haveria, então, “obrigação de dar, relativa ao uso do sistema, da marca, de outros objetos de propriedade intelectual do franqueador ou sobre os quais este detém direitos.”
Dessa forma, pode-se resumir a linha argumentativa da Cosit na dicotomia bastante conhecida – e no passado adotada pelo Supremo Tribunal Federal – entre obrigação de fazer e obrigação de dar, sendo que os serviços corresponderiam à primeira. Nesse contexto, como não se poderia extrair dos contratos de franquia qualquer obrigação de fazer, os royalties não corresponderiam a remuneração de serviços.
Ocorre que tal interpretação estática do conceito de serviços vinculado a obrigações de fazer vem sendo amplamente revisitada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, já que não consegue fornecer respostas adequadas a negócios jurídicos mais complexos.
Com efeito, em caso específico a respeito da incidência do ISS sobre contratos de franquia (RE nº 603.136), o relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou expressamente que “a velha distinção entre as ditas obrigações de dar e de fazer não funciona como critério suficiente para definir o enquadramento do contrato de franquia (…)”.
Nessa linha de raciocínio, entendeu-se que o contrato de franquia incluiria, sim, prestação de serviços, com aplicação de esforço humano destinado a gerar utilidade ao contratante. Seria irrelevante, portanto, a qualificação como obrigação de dar ou de fazer.
Há de se destacar que tal interpretação do conceito de serviços extrapolando a suposta vinculação a uma obrigação de fazer não se iniciou no julgamento citado, mas na análise do RE nº 547.245, de relatoria do ministro Eros Grau, em que se discutiu a incidência do ISS sobre as operações de arrendamento mercantil.
Naquele caso, entendeu-se que não necessariamente os serviços corresponderiam a típicas obrigações de fazer. Posteriormente, essa orientação foi reafirmada no julgamento do RE nº 651.703, de relatoria do ministro Luiz Fux, que deixou claro o entendimento no sentido de que a prestação de serviços estaria vinculada ao oferecimento de uma utilidade a outrem.
A par dessas considerações, a nosso ver, decorrem dois empecilhos à interpretação dada pela Cosit em relação à impossibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre os royalties pagos em decorrência de contrato de franquia.
O primeiro é o de que o argumento de que não haveria uma obrigação de fazer e, portanto, não seria serviço, restou superado pelo STF, como demonstrado anteriormente. É fato que tal entendimento prevaleceu inicialmente nos casos que trataram de locação. No entanto, a partir do momento em que o Supremo passou a analisar negócios jurídicos mais complexos, abandonou-se a antiga dicotomia entre obrigação de dar e de fazer. E, como adiantado, isso culminou na conclusão de que os contratos de franquia são serviço para fins da incidência do ISS.
O segundo empecilho é o de que, após a decisão do STF, os contratos de franquia se sujeitam inequivocamente ao ISS, já que tal exação foi considerada constitucional. No entanto, os dispêndios com esses mesmos contratos não geram créditos de PIS e Cofins na modalidade de insumo, na visão da Cosit, por não se tratar de serviço. Como se percebe, há uma clara inconsistência que não poderia prevalecer, notadamente em uma análise sistemática do ordenamento jurídico. Se é serviço para fins de ISS, também deveria ser para fins do creditamento de PIS e Cofins.
Diante do exposto, concluímos que, com a devida vênia, não andou bem a Cosit ao entender que não haveria direito a crédito das contribuições sobre os dispêndios com royalties de contratos de franquia. A análise atual da jurisprudência do STF dá conta de que não prevalece mais o argumento de que serviço somente é o negócio que surge de uma obrigação de fazer. Ademais, o próprio Supremo afirmou expressamente que os contratos de franquia têm natureza de serviço para fins da incidência do ISS, o que certamente é aplicável para o creditamento de PIS e Cofins.